Lei de 2012 determinava revisão das ações afirmativas até o ano passado. A proposta, que vai ao Senado, inclui quilombolas em reserva de vagas e prevê políticas de inclusão na pós-graduação. Deputados celebram aprovação do projeto que atualiza a Lei de Cotas na Câmara
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A Câmara dos Deputados aprovou, de forma simbólica, nesta quarta-feira (9) o projeto que atualiza a Lei de Cotas. A proposta vai ao Senado.
Sancionada em 2012, a lei garante que metade das vagas em institutos e universidades federais seja reservada para ex-alunos da rede pública de ensino. Também prevê outras duas subcotas: para estudantes de baixa renda; e para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
O texto original estabeleceu que uma revisão da ação afirmativa deveria ser feita 10 anos após a sanção — ou seja, em 2022. O Congresso, contudo, resistiu a fazer a mudança em ano eleitoral, por receio de retrocessos nas medidas.
Com um ano de atraso e no mês em que a lei completa 11 em vigor, os deputados aprovaram a atualização do texto (veja mais abaixo) que, entre outros pontos, prevê:
inclusão de quilombolas na reserva de vagas
redução da renda per capita familiar máxima do candidato às cotas
políticas de inclusão em programas de pós-graduação de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e pessoas com deficiência
e avaliação do programa a cada 10 anos, com ciclos anuais de monitoramento
Inicialmente, o parecer da relatora, deputada Dandara (PT-MG), previa a implementação das chamadas bancas de heteroidentificação para validar autodeclarações de candidatos.
Em acordo com PL e Novo para viabilizar a análise do projeto, o dispositivo foi retirado. Dandara afirmou que o texto é o resultado de um “esforço coletivo” e agradeceu a “sensibilidade” de líderes da oposição.
Classificada por parlamentares como “histórica”, a votação foi acompanhada pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) acompanha votação do projeto que atualiza a Lei de Cotas no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, nesta quarta (9)
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Mudanças
▶️ Como era:
Exemplo de como funciona a Lei de Cotas em uma turma de 100 alunos, em estado com 5% dos habitantes pretos, 29% pardos, 2% indígenas e 8% com deficiência
Arte/g1
A atual Lei de Costas prevê reserva de vagas em instituições federais de ensino. Pelo texto, a divisão ocorre da seguinte forma:
50% das vagas oferecidas em cada curso de graduação devem ser destinadas a alunos que cursaram o ensino médio integralmente na rede pública
A partir dessa reserva inicial, outras subcotas são criadas:
pelo menos 50% das vagas reservadas devem ser preenchidas por estudantes com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo
pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência devem ser contemplados com um número de vagas equivalente às parcelas que ocupam na população de cada estado, segundo dados do Censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
As mesmas reservas são aplicadas para ingresso em cursos técnicos de nível medio oferecidos por instituições federais de ensino.
▶️ O que o texto-base propõe:
Dandara propôs algumas mudanças no texto da lei atual. Segundo o texto-base aprovado pelos deputados, os seguintes pontos serão alterados:
Ampla concorrência
No ingresso, os candidatos vão concorrer, inicialmente, às vagas de ampla concorrência — disputadas por todos. Caso não alcancem as notas nesta modalidade, passam então a concorrer às vagas reservadas pela Lei de Cotas.
Atualização no critério socioeconômico
Redução da renda familiar per capita de estudantes que têm direito à reserva de vagas por critério socioeconômico para um salário mínimo — e não 1,5, como é hoje.
Inclusão de quilombolas na reserva
O projeto inclui quilombolas entre os perfis que têm direito ao preenchimento de vagas na mesma proporção que ocupam na população de cada estado.
A legislação atual prevê esse direito a autodeclarados pretos, pardos e indígenas e a pessoas com deficiência.
Vagas remanescentes
Caso as vagas estabelecidas nas subcotas não sejam preenchidas, o projeto dá prioridade primeiramente a outras subcotas — e só depois para estudantes de escolas públicas, de modo geral.
A legislação atual diz que, em caso de não preenchimento das vagas de subcotas, as reservas vão diretamente para outros estudantes de escolas públicas.
Avaliações
Segundo o projeto, serão realizadas avaliações da Lei de Cotas a cada 10 anos — e não mais uma revisão, como prevê a lei atual.
A proposta estabelece ainda que o Ministério da Educação divulgue, anualmente, um relatório com informações sobre a política, como dados sobre acesso, permanência e conclusão dos alunos
Auxílio estudantil
Os cotistas terão prioridade no recebimento de auxílio estudantil.
Cálculo de proporção
De acordo com a proposta, após três anos da divulgação do resultado do Censo, o Poder Executivo deve adotar metodologia para atualizar anualmente a proporção de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência em cada estado.
Isso poderá ser feito após três anos da divulgação do resultado do Censo. Hoje, somente o Censo pode ser usado como parâmetro
Pós-graduação
Nos programas de pós-graduação, a proposta prevê que as instituições federais de ensino superior promoverão políticas para inclusão de pretos, pardos, indígenas e quilombolas, além de pessoas com deficiência.
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Combate às desigualdades
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Em seu parecer, Dandara afirmou que a Lei de Cotas deu “efetividade ao Estatuto da Igualdade Racial” e “trata-se de medida para assegurar a participação da população negra, em igualdade de oportunidades, na vida econômica, social, política e cultural do país”.
“Mesmo com a abolição da escravidão e a previsão de uma série de direitos fundamentais que visam a igualdade e dignidade da pessoa humana, no Brasil a desigualdade social e discriminação de raças e etnias, seguem sendo uma realidade, razão pela qual foram instituídas as cotas raciais como uma ação afirmativa”, escreveu.
A deputada disse ainda que as ações afirmativas são de “extrema importância” para combater as desigualdades sociais.
“As políticas públicas, por meio das ações afirmativas são de extrema importância, como medidas estatais, a fim de combater a cumulação de desigualdades, principalmente com relação à inserção no mundo do trabalho e o acesso ao ensino superior público a fim de que mais pessoas negras e indígenas consigam chegar em situação de igualdade.”
Discussão no STF
Em julho deste ano, o Partido Verde pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que fixe um prazo para que o Congresso faça a revisão da lei.
O ministro Luís Roberto Barroso já pediu informações à Câmara, ao Senado e à Presidência da República sobre o tema.
Fonte: G1 Read More