Apuração detectou cerca de 220 transferências suspeitas, sendo 160 para uma conta bancária de ex-servidora suspeita. Investigada disse que está à disposição para prestar esclarecimentos. Vista aérea da Unicamp, em Campinas
Antoninho Perri/Ascom/Unicamp
Os desvio de verbas de pesquisa do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, revelado em janeiro deste ano, pode chegar a R$ 1,9 milhão, segundo uma apuração interna da universidade. A servidora suspeita pelo crime, Ligiane Marinho de Ávila, foi demitida em dezembro de 2023 e, desde fevereiro deste ano, é investigada pela Polícia Civil.
O g1 apurou que a Unicamp detectou cerca de 220 transferências bancárias suspeitas feitas pela servidora. Ela era a responsável por cuidar da parte de pagamento dos recursos obtidos com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelos pesquisadores do IB.
📲 Participe do canal do g1 Campinas no WhatsApp
Ao g1, o advogado Rafael de Azevedo, que representa Ligiane, informou que soube do inquérito nesta segunda-feira (27) e que sua cliente não foi notificada para apresentar versão dela. “Informa que está à disposição para tais esclarecimentos, informa continuar residindo no mesmo endereço”, conclui a nota.
Procurada pela reportagem, a Unicamp afirmou que “os fatos estão sendo objeto de apuração em Sindicância Administrativa, sendo certo que adotará todas as providências que se mostrarem cabíveis após sua conclusão”.
Transferências para a própria conta
A maioria das transferências, cerca de 160, foi feita para a conta da própria servidora, somando um valor de R$ 1,2 milhão. Os outros 700 mil foram transferidos para duas empresas e duas pessoas físicas também alvos da investigação da Polícia Civil.
As transferências suspeitas ocorreram entre setembro de 2018 e janeiro de 2024 e variaram entre R$ 400 e R$ 80 mil, cada. Nas notas fiscais, várias justificativas, como compra, transporte e manutenção de equipamentos e desenvolvimento de softwares e sites.
Na última terça-feira (21), a Polícia Civil pediu à Justiça a prorrogação do inquérito, alegando que precisa de mais tempo para investigar o caso por conta do acúmulo e excesso de serviço. O Ministério Público concordou com a prorrogação, mas a Justiça ainda não decidiu.
‘Notas fraudulentas’
Pelo menos 27 professores do Instituto de Biologia relataram ter detectado movimentações suspeitas em verbas de pesquisa. No caso de apenas um docente, o desvio chegou a R$ 245 mil.
Em petição à polícia, os professores afirmaram que uma investigação interna apurou que a investigada utilizou uma empresa aberta por ela “para emissão de notas fiscais fraudulentas, descrevendo serviços nunca prestados, na intenção de simular contratações para aparentar irregularidade na apropriação dos valores”.
E que ainda a suspeita “apresentou recibo fraudulento referente a serviço nunca prestado, emitido em nome de terceiros, que nunca tiveram relação com os docentes”. Essa parte se refere às duas empresas e às duas pessoas que também receberam verba do IB transferida por Ligiane.
Unicamp investiga desvio de verbas destinadas para pesquisa no Instituto de Biologia
Pessoa de confiança
À polícia, os professores explicaram que a investigada atuava na Secretaria de Apoio Institucional ao Pesquisador (SAIP), órgão responsável por operacionalizar as verbas recebidas pelo IB para pesquisa.
“Na prática, após receber o depósito do financiamento da pesquisa, o docente pesquisador encaminhava a documentação pertinente (cartões, número de conta bancária e senhas) ao SAIP, e seus funcionários possuíam ampla autonomia para proceder com as movimentações financeiras e com as providências contábeis e fiscais”, explicou.
Em depoimento à Polícia Civil, o diretor do instituto, professor Hernandes Faustino Carvalho, confirmou integralmente as informações repassadas pelos professores e afirmou que Ligiane era uma pessoa de confiança de todos do instituto.
“Ligiane sempre foi pessoa que nunca levantou nenhuma suspeita de nenhum dos docentes que com ela tiveram contato, muito pelo contrário, sempre muito atenciosa e solícita em tudo que era necessário”, afirmou Hernandes.
Apuração
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apura, desde dezembro, a suspeita de desvio de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) destinados a 27 pesquisadores que atuam no Instituto de Biologia (IB).
A servidora foi demitida durante as investigações pelos seguintes motivos:
Segundo a diretoria do instituto, a funcionária da Funcamp possuía uma empresa de prestação de serviços desde 2018 e, por isso, foi demitida por justa causa em 18 de janeiro deste ano;
A servidora incluía notas fiscais da própria empresa e de duas outras, além de recibos forjados, nas prestações de contas dos docentes;
Além disso, a servidora fazia transferência de valores para a própria conta.
➡️ Como o possível desvio foi descoberto? Em nota oficial enviada aos servidores, a diretoria do IB detalhou que, durante os meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024, foram identificadas “inconsistências” no trabalho de uma servidora, que era lotada na Funcamp.
➡️ O que será feito? Ainda segundo a diretoria do IB, houve um pedido para abertura de um inquérito na Polícia Civil. Além disso, a Fapesp informou que “segua analisando as prestações de contas já realizadas por parte dos pesquisadores em questão” (leia, abaixo, o posicionamento na íntegra).
A Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) afirmou, também em nota, que o caso foi apresentado no 7º Distrito Policial de Campinas no dia 1º de fevereiro, mas foram solicitadas informações adicionais para “viabilizar o registro do crime e dar direcionamento às investigações”.
O que diz a Fapesp?
Em nota enviada ao g1 à época, a Fapesp declarou que, caso eventuais irregularidades nas prestações de contas sejam verificadas, cobrará dos pesquisadores a devolução dos recursos. Além disso, a fundação afirmou que vai acompanhar as providências legais que estão sendo tomadas.
👇 Leia a nota da Fapesp na íntegra:
“1) No ano passado, a auditoria da FAPESP detectou possíveis irregularidades num processo de prestação de contas de um pesquisador e, ao fazer pedidos de esclarecimentos, chamou atenção deste e dos outros pesquisadores para o que, posteriormente, foi identificado como um problema pela direção do IB-Unicamp. A FAPESP segue analisando as prestações de contas já realizadas por parte dos pesquisadores em questão.
2) As providências que incumbem à FAPESP consistem em apontar aos pesquisadores possíveis irregularidades nas prestações de contas. Caso eventuais irregularidades se comprovem e não sejam sanadas, a FAPESP cobrará dos pesquisadores a devolução dos recursos. Ao mesmo tempo, a FAPESP vai acompanhar as providências legais que os pesquisadores e a instituição de pesquisa à qual estão vinculados estão tomando, enquanto vítimas do apontado crime.
3) Todos os pesquisadores que recebem recursos da FAPESP devem prestar contas, segundo regras estritas constantes das normas da FAPESP. Cabe aos pesquisadores fazer a gestão financeira dos recursos que recebem e prestar contas à FAPESP sobre o uso dos recursos e sobre os resultados das pesquisas. Os pesquisadores, para executar os projetos de pesquisa, podem contar com apoio administrativo das instituições de pesquisa à qual estão vinculados, inclusive, como no caso, fundação de apoio da instituição de pesquisa. Se a instituição de pesquisa, ou sua fundação de apoio, por meio de seus servidores ou empregados, descumprem seus compromissos em relação ao combinado com os pesquisadores, naturalmente surge uma relação de responsabilidade dessas instituições para com o pesquisador”.
VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região
Veja mais notícias da região no g1 Campinas
Fonte: G1 Read More