Município gaúcho com 4,9 mil habitantes foi um dos mais afetados pelas tempestades do Vale do Taquari em setembro do ano passado. Obras de reconstrução da EMEF Castelo Branco, por exemplo, foram concluídas no fim de abril deste ano, dias antes da atual tragédia no estado. Em Muçum (RS), escolas públicas recém-inauguradas são novamente tomadas pelo lodo
A EMEI Família Feliz, escola municipal de educação infantil em Muçum (RS), havia sido reaberta em 24 de fevereiro deste ano, em um sábado ensolarado. Por cinco meses, desde as inundações que assolaram a cidade em 4 de setembro de 2023, voluntários e ONGs trabalharam para readquirir tudo o que havia sido danificado pela água – da parte elétrica até os livrinhos e brinquedos das crianças.
Mas a reinauguração foi uma festa que durou pouco: em maio de 2024, a tragédia se repetiu. O colégio está, mais uma vez, coberto pela lama das enchentes históricas que atingem o Rio Grande do Sul desde o fim de abril.
“Agora, tudo de novo, e ainda pior. Como vai ser? Vamos reformar tudo, para vir mais água? É desumano”, afirma ao g1 Alice Lorenzon, de 28 anos, diretora da EMEI. “É uma tristeza, um desespero de ver tudo o que foi conquistado de forma tão sofrida se perder.”
A menos de 2 km dali, perto do encontro entre os rios Taquari e Guaporé, a EMEF Castelo Branco também tentava se recuperar das inundações de setembro. Fazia apenas duas semanas que as obras de reconstrução haviam terminado, quando novamente a água invadiu o local.
“Quando o desastre começou, 18 alunos estavam na escola. Os mais velhos [o colégio atende crianças de até 10 anos], com lágrimas nos olhos, ajudaram a encaixotar algumas coisas. Duas meninas que moram na região foram até lá para salvar seus cadernos”, conta Ana Luísa Bettinelli, diretora da instituição.
“A gente percebeu a dor de todos. Os pequenos, de 4 a 5 anos, sempre perguntavam se ‘era a enchente’. Desde setembro do ano passado, quando perdemos tudo, o medo passou a ser presente neles.”
EMEF Castelo Branco, no centro da imagem (imóvel branco), novamente foi tomada pela inundação em Muçum (RS)
Arquivo pessoal
🔴‘A dor nos ensinou’, diz diretora de escola
Parquinho da EMEI Família Feliz está enlameado após fortes chuvas em maio de 2024
Arquivo pessoal
Nas inundações de 2023, ninguém esperava que os estragos fossem tão grandes. Neste mês, depois de “a dor nos ensinar”, como disseram os professores, todos tentaram salvar o que fosse possível antes de a água subir.
Alice, diretora da EMEI Família Feliz, conta que, desta vez, ao primeiro sinal de chuva forte, correu para a escola. Mesmo no 8º mês de gestação, juntou-se aos outros funcionários para encaixotar cadeirinhas de alimentação, livros e objetos menores.
“Em 2023, a gente até chegou a erguer algumas coisas, mas a água cobriu tudo. Perdemos ar-condicionado, mesas, cadeiras, colchões, freezer, tudo”, diz.
“Agora, conseguimos chamar um caminhão e salvar uma parte do material e as coisinhas que compramos com rifas. Mas a pintura, a estrutura… tudo foi arrancado. Só com maquinário que vai dar para tirar todo o lodo. É uma parte nossa que foi destruída.”
Na Castelo Branco, a estratégia também foi tirar todos os itens possíveis da escola. O que sobrou de mobiliário e de objetos foi levado para o segundo piso, na esperança de que o nível da água não subisse tanto. O desastre, no entanto, foi maior do que o previsto: só o telhado não ficou submerso.
“Perdemos armário, carteiras de madeira, datashows. Deu para salvar a impressora, pelo menos, que tínhamos perdido da outra vez”, conta Ana Luísa.
Mapa das escolas de Muçum (RS)
Luiza Rivas/Arte g1
🔴’Tudo foi bem mais agressivo agora’: o medo de as crianças não voltarem
Voluntários buscam retirar móveis da EMEI Família Feliz
Arquivo pessoal
➡️Em setembro do ano passado, antes da inundação, eram 83 alunos matriculados na EMEI Família Feliz. Quando a escola foi reaberta, em fevereiro de 2024, passaram a ser apenas 52.
“Caiu uma ponte que ajudava os pais a levarem as crianças, e ela não foi reconstruída. Fora todas as famílias que perderam suas casas e foram embora da cidade, né?”, explica a diretora.
Sabrina Zamboni, presidente da associação de pais e alunos da Família Feliz, levava 3 minutos de carro para sair de Voca Sales, cidade vizinha onde morava, e chegar a Muçum. Sem a ponte, o trajeto passou a tomar 1 hora.
“Estava levando minha filha [Ana Beatriz, de 1 ano e 11 meses] só 3 vezes na semana, porque ficava muito cansativo para ela”, conta.
O temor é que a situação se repita após a tragédia atual – e que mais alunos deixem de frequentar a educação infantil.
➡️Segundo a Secretaria de Educação de Muçum, já que os danos causados pela chuva na “Família Feliz” foram severos, não há previsão de reabertura. Como da outra vez, os bebês e crianças serão atendidos na Pingo de Gente, a única outra EMEI do município (e que tem salas disponíveis).
“Tudo foi bem mais agressivo agora: a parte estrutural, elétrica e hidráulica [foram prejudicadas]. Por isso que a gente nem tem como saber quando vai reabrir. É muita coisa para ser reconstruída; o pátio está intransitável de tanto lodo”, diz Jucéli Baldasso, secretária de Educação.
A prioridade, segundo ela, será reabrir a Castelo Branco, onde estudam também alunos da pré-escola e do ensino fundamental que, por falta de espaço, dificilmente conseguiriam ser realocados na outra EMEF de Muçum (Jardim Cidade Alta).
“Estamos focando na limpeza, mas ainda há a necessidade de reformas e de reposição do mobiliário”, explica a secretária.
🔴‘A parte material vai ser reconstruída, mas uma vida não será trazida de volta’
Cadeiras e mesas da EMEF Família Feliz foram danificadas em inundação
Arquivo pessoal
Sabrina Zamboni, presidente da associação de pais e alunos da Família Feliz, fez parte da força-tarefa para reconstruir a escola após setembro.
“A comunidade abraçou a ideia [de reerguer tudo], e demos a volta por cima. Os pais precisavam deixar as crianças lá para trabalhar. Agora, nem sei o tamanho do nosso prejuízo, porque estou isolada com a minha família [a estrada que leva a Muçum tem três trechos interrompidos]. Preciso esperar a chuva parar para o solo estabilizar e eu conseguir ir até a escola”, diz.
A comunidade escolar da EMEI Família Feliz reforça que a tarefa vai muito além de reconstruir um prédio. “É um lugar com amor e carinho, muito especial para nós. Vamos, mais uma vez, reerguer tudo e dar qualidade para o espaço que faz parte da nossa vida. A Família Feliz vai voltar a ser como era”, diz Sabrina.
Na Castelo Branco, a comunidade escolar também acredita no movimento coletivo para limpar o lodo e equipar o colégio mais uma vez. A dor maior, no momento, é pela perda de Ariel Soares, um aluno de 5 anos que morreu soterrado com a mãe, Silvane Soares, na comunidade Pinheirinho, em Roca Sales.
“Vamos nos reconstruir; somos todos muito unidos. Mas a vida do Ariel não será trazida de volta. Não sabemos ainda como vamos dar a notícia para as crianças”, diz a diretora.
Fonte: G1 Read More