Especialistas explicam que hábito pode reduzir a saúde da pele, além de alimentar padrões de beleza que causam adoecimento mental. Orientar os pequenos é a principal aposta para combater os riscos.
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Como conversar com os filhos sobre os riscos de skincare para adolescentes.
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“Pressão estética nessa idade não é algo aceitável.” Foi isso que a skatista e influenciadora Karen Jonz escreveu em uma publicação no Instagram na qual pede para que pais, blogueiras e marcas reflitam sobre o impacto da indústria dos cosméticos em crianças. A publicação acompanha um vídeo que mostra a animação da filha de Karen, Sky, de 8 anos, ao entrar em uma loja de cosmético.
A tetracampeã mundial do skate falou ainda sobre como os conteúdos das redes sociais e as embalagens, cores, brilhos e desenhos nos cosméticos chamam a atenção dos pequenos. E fez um alerta: os produtos não são para crianças.
A publicação de Karen é um outro lado de uma tendência que tem tomado conta das redes sociais nos últimos meses: a de skincare (rotina de cuidados com a pele por meio de produtos) realizada por crianças e adolescentes.
Nos diversos vídeos publicados nas redes sociais, produzidos principalmente dos Estados Unidos, meninas de 14 anos ou menos compartilham rotinas complexas de cuidado com a pele, compostas por tônicos, água micelar, esfoliantes, hidratantes faciais e até ácidos e produtos antienvelhecimento.
Segundo Elisete Crocco, coordenadora do setor de cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SDB), esse novo hábito é inspirado nas rotinas de skincare sul-coreanas. Ela e a doutora em psicologia clínica pela PUC-Rio e especialista em doenças da beleza, Joana Novaes, avaliam que essa tendência mostra uma adultização precoce, estimula o consumismo e naturaliza a utilização de produtos impróprios para crianças — produtos estes que podem, inclusive, piorar a saúde da pele.
Não existe uma lógica real ou uma justificativa clínica para esse movimento. O que vemos são crianças tendo acesso a produtos que elas muito provavelmente não precisam, usando de forma indiscriminada e sem recomendação ou acompanhamento. É impossível prever os prejuízos à longo prazo, mas teremos que lidar com eles daqui a 20 anos.
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Tendência é perigosa
Apesar de não ser possível prever os prejuízos longínquos dessa nova tendência, Elisete Crocco, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, diz que os danos de curto prazo já acontecem cada vez mais frequentemente.
“Uma criança que tem a pele normal e começa a usar ácidos que promovem renovação celular acaba alterando a barreira de proteção cutânea, aquela primeira camada de proteção da pele, deixando-a com microfissuras e mais porosa. Com isso, a pele não consegue manter a água para hidratação e acaba ficando ressecada”, explica a especialista.
Em casos mais drásticos, a falta de orientação adequada e o uso indiscriminado de alguns produtos podem sensibilizar a pele e até causar manchas e queimaduras. Além disso, esse comportamento deixa também danos psicológicos. (Veja mais abaixo.)
Com isso em mente, a especialista explica que até o começo da adolescência, apenas beber bastante água para manter a pele hidratada e usar um protetor solar deve ser o suficiente para manter a saúde da pele desde que não haja nenhuma condição dermatológica evidente. Com exceção desses cuidados, qualquer outra rotina de skincare deve ser definida com auxílio de um dermatologista.
Elisete diz ainda que, em geral, as primeiras consultas dermatológicas acontecem durante a adolescência, quando o paciente começa a apresentar acne ou mudança na textura da pele. Então, o médico monta uma proposta de tratamento personalizada que leva em conta o tipo e as necessidades da pele.
Orientação dos pais
Para a psicóloga Cíntia Gouvea, que estuda o impacto das redes sociais na formação da personalidade, os pais devem, sempre que possível, intermediar ou, pelo menos, estar cientes dos conteúdos acessados por menores de 16 anos na internet.
Segundo a pesquisadora, além de evitar o consumo de conteúdo impróprio, isso é importante para que os pais saibam quando e como orientar os filhos.
“Os pais precisam refletir também se eles são passivos ou ativos em cenários como esse da nova tendência. Tanto estimular esse comportamento quanto fazer vista grossa pode trazer riscos para o filho”, alerta a psicóloga.
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A especialista em doenças da beleza da PUC, Joana Novaes, avalia que há certa influência do mercado publicitário dos dermocosméticos, que convence os pais de que facilitar o acesso a estes produtos seria cuidar da filha. No entanto, ela diz que é preciso pensar criticamente.
Se as crianças veem esses produtos na internet e passam a querê-los, precisamos entender como elas têm acesso a eles. São os pais ou as próprias filhas que compram? Os pais sabem o que as filhas estão comprando e usando? Sabem por que elas querem estes produtos e para que eles servem? Todas essas perguntas devem ser feitas de um lugar de curiosidade genuína, partindo da vontade de ajudar.
É a partir das respostas dessas perguntas que os pais podem entender seu papel neste cenário e definir a melhor maneira de orientar os filhos.
Essa orientação pode vir tanto dos próprios pais — que podem se informar sobre o assunto, explicar os riscos, descobrir o que está por trás da relação das filhas com estes produtos —, como podem também recorrer à uma dermatologista.
“Às vezes, o pai e a mãe não conhecem aquele produto, não sabem para que serve ou como orientar os filhos. Nessas horas, vale sempre procurar um especialista que entende do assunto para explicar de maneira simples do que se trata”, explica Elisete Crocco, coordenadora do setor de cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SDB).
Mercado da tendência
Joana Novaes, especialista em doenças da beleza da PUC, sinaliza que essa tendência é fruto de uma mudança do mercado que impulsionou uma mudança de comportamento.
“Antes, as crianças eram vistas como um possível público-alvo futuro. Hoje, elas já movimentam um nicho e já são entendidas como público-alvo atual.”
Para a especialista, uma série de coisas alimenta essa tendência, como a apresentação de produtos em embalagens chamativas e infantilizadas e a oferta indiscriminada de conteúdo não especializado nas redes sociais.
“Imagine uma criança que usa as redes sociais sem fiscalização dos pais, e que dá de cara com um vídeo de uma jovem de 20 anos testando um produto com uma embalagem fofa, e falando sobre como aquele produto melhorou sua pele. Alguém com 12 anos pode se reconhecer naquilo e achar que precisa usar o produto também.”
Segundo a especialista, a partir daí, cria-se um comportamento parecido com o que já era observado em outras gerações, mas com o agravante da precocidade.
Surge, então, uma geração que consome indiscriminadamente sem considerar seriamente a necessidade daquele produto, baseando-se apenas no desejo de fazer parte daquele movimento, e sem pensar também nos possíveis riscos de aplicar desde tão cedo produtos cosméticos na pele.
Outro perigo alertado pela especialista é o da criação de uma falsa imagem pelas crianças da própria aparência, já que boa parte dos conteúdos de beleza disponíveis na internet tendem a reforçar um ideal de beleza que nunca é alcançável e que sempre mudam, criando um ciclo vicioso.
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‘É preciso estar disposta a conversar’
Karen Jonz, que propôs a reflexão sobre a indústria da beleza e dos cosméticos na rede social, contou ao g1 que fez a publicação porque aquele já era pensamento que carregava consigo como mãe e como internauta.
“Só recentemente que comecei a frequentar lojas de maquiagens e cosméticos e lembro de ficar muito confusa, perdida. Aos poucos, fui pesquisando e aprendendo o que priorizar e o que comprar, mas, tendo minha filha comigo naquele ambiente, me liguei de que deveria ser ainda mais confuso para ela”, disse.
Acho que estamos em um momento comercial de cosméticos diferente, com muita oferta, com muita com muita influência e, ao mesmo tempo, com muita desinformação. E precisamos entender esses fenômenos para conversar e orientar as crianças.
Karen diz que já conversou com a filha sobre pressão estética e padrão de beleza, e permite que Sky use maquiagem apenas de forma lúdica, para expressar sua criatividade durante as brincadeiras.
Ela pondera que, futuramente, a filha pode ter outra relação com a maquiagem e com sua imagem pessoal. Mas, até lá, se propõe a conversar com Sky para que ela internalize que, independentemente de sua escolha, seja guiada pela própria vontade, e não porque os outros fazem, ou porque os outros esperam que ela faça.
A skatista diz que não quer ser regra para outros pais, mas sente que tem cumprido bem seu papel, agindo de maneira que contempla sua relação com a filha. E o segredo não é tão secreto: “o importante é oferecer outras experiências, tirar o foco da internet, e deixar ela ser a criança que ela é”.
VÍDEOS DE EDUCAÇÃO
Fonte: G1 Read More