Números obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) são referentes a assédio moral e sexual; punição foi de suspensão do professor por 60 dias. Outros 4 processos foram arquivados e um prescreveu. Violência contra a mulher, abuso, assédio sexual
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Entre 2013 e 2023, a Universidade de Brasília (UnB) abriu apenas seis processos administrativos disciplinares (PADs) contra professores acusados de assediar estudantes, moral ou sexualmente. Destes seis casos, somente um foi punido com a suspensão do professor por 60 dias. A UnB informou que a denúncia era referente a assédio sexual.
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Outros quatro processos foram arquivados por diferentes motivos: ausência de provas e não comprovação do assédio moral. Um outro processo prescreveu. Os dados foram obtidos pelo g1 por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e se referem àqueles recebidos pela Ouvidoria da UnB.
Os números foram confirmados pela universidade. Veja abaixo o tipo de acusação que gerou os processos administrativos disciplinares, segundo a Coordenação de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD) da UnB:
Assédio sexual
Um processo que gerou a suspensão de 60 dias
Um processo arquivado por ausência de provas
Assédio moral
Um processo prescreveu
Um processo arquivado por não comprovação do assédio moral
Dois processos arquivados por ausência de provas
Total de 210 denúncias em 10 anos
De 2013 a 2023, foram 210 denúncias de assédio moral e sexual, que não eram separadas (veja tabela abaixo).
Número de denúncias de assédio recebidas pela Ouvidoria da UnB nos últimos 10 anos
Em 2023, a partir do segundo semestre, a ouvidoria da UnB começou a classificar as manifestações em assédio moral ou assédio sexual. Com a categorização, no ano passado, foram 47 denúncias de assédio moral e 11 de assédio sexual recebidas no órgão.
Um dos órgãos que processa as denúncias da ouvidoria é a Comissão de Ética, onde a acusação é apurada e há o julgamento sobre possível desvio ético dos agentes públicos vinculados à UnB. Nos últimos 10 anos, a comissão recebeu 25 denúncias: 23 de assédio moral, uma de assédio sexual e uma de assédio sexual e moral. A maioria das vítimas é formada por mulheres.
O que é assédio moral ou sexual dentro da universidade?
A Universidade de Brasília utiliza como base o Guia Lilás: orientações para prevenção e tratamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no Governo Federal. O documento, elaborado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em março de 2023, traz as definições para assédio moral e sexual. Veja abaixo:
Assédio moral: consiste na violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva.
Assédio sexual: é crime e não deve ser tolerado. É definido por lei como o ato de constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
“O assédio moral e sexual e todas as formas de discriminação constituem violação de direitos humanos e ameaçam a igualdade de oportunidades de trabalho, em especial para mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência e pessoas LGBTQIAP+”, diz o documento.
O assédio moral pode ter diversas formas, assim como o assédio sexual. Veja na tabela abaixo alguns formatos destes tipos de violência, segundo o Guia Lilás:
Exemplos de assédio moral e de assédio sexual na universidade
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabiene Gama, que estuda violência de gênero nas universidades, destaca que existe uma mudança de perfil nos dois tipos de assédio. Em relação ao moral, homens e mulheres são vítimas, acontece mais em público e muitas vezes, faz parte da dinâmica de produtividade e sociabilidade dentro da universidade, ou seja, é algo “naturalizado” em muitas salas de aula.
Já em relação ao assédio sexual, de acordo com a professora, muitas das vítimas dentro de universidades são mulheres e acontece de forma privada, por meio de mensagens, e-mails e reuniões individuais.
As consequências para estudantes que sofrem algum tipo de assédio, segundo a professora Fabiene Gama, são variadas:
Adoecimento mental: se sentem isoladas, deixam de frequentar determinados espaços, deixam de cursar certas disciplinas para não encontrar o professor. Têm receio de denunciar, se culpabilizam, sentem constrangimento, vergonha.
Impacto no desenvolvimento acadêmico
Evasão universitária
Os caminhos da denúncia
O g1 preparou um passo a passo sobre os caminhos que uma denúncia de assédio moral ou sexual pode percorrer dentro da Universidade de Brasília. Confira abaixo:
Ouvidoria: unidade de acolhimento, que recepciona, analisa preliminarmente indícios mínimos de autoria e materialidade e havendo esses indícios mínimos, os casos são encaminhados em cinco dias às unidades de investigação/apuração da Universidade via Sistema SEI em nível sigiloso. Prazo previsto em lei: 30 dias prorrogáveis por mais 30 dias.
Depois, a denúncia pode ser enviada via Ouvidoria para quatro caminhos: Coordenação de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD), Comissão de Ética, Decanato de Assuntos Comunitários (Processo Disciplinar Discente), Diretoria de Contratos Administrativos (se envolver terceirizados).
Na CPAD, quando a denúncia é recebida há avaliação da admissibilidade, verificando os indícios de autoria e materialidade do caso. As denúncias podem resultar em três caminhos dentro da CPAD: Instauração de Sindicância Investigativa (com indícios de autoria ou materialidade), instauração de Processo Administrativo Disciplinar (quando há indícios de autoria e materialidade) e arquivamento.
Depois da análise na CPAD, o processo é encaminhado para a reitoria da UnB para que se adote ou não o que foi recomendado pela Coordenação de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD). Quando necessário, a reitoria consulta a Procuradoria Federal junto à UnB (PF/UnB), órgão da Advocacia Geral da União (AGU) que presta assessoramento jurídico à instituição.
O Processo Administrativo Disciplinar pode resultar em:
Advertência
Suspensão
Demissão
Arquivamento
Por que muitas denúncias dentro da universidade não geram punições?
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabiene Gama, explica que há cerca de cinco motivos para as denúncias de assédio não irem para frente ou serem arquivadas nas universidades:
Problema para registrar uma denúncia completa: vítimas desconhecem como completar os campos, como descrever a denúncia, quais informações colocar.
Desconhecimento dos códigos disciplinares e dos documentos que legislam sobre ética dos servidores por parte dos servidores que avaliam. De acordo com a professora, como muitas comissões para avaliar a conduta ética dos servidores é formada por docentes e técnicos da universidade, por não terem conhecimento aprofundado no processo administrativo, pode existir um tensionamento para julgamentos.
“Quem ocupa essas diferentes posições nas universidades são os docentes e técnicos, acabamos exercendo funções administrativas, não somos formados para isso. […] Falta órgão centralizado com equipe qualificada que acumule conhecimento nesse campo”, diz Fabiene Gama.
Na Universidade de Brasília, a questão do desconhecimento dos códigos disciplinares e legislação pode ser evitada, já que a presidente da Comissão de Ética, Beatriz Vargas Ramos Gonçalves de Rezende, é professora do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito na UnB. Outros três membros da comissão — titulares e suplentes — também são especialista na área de Direito, um outro em Secretariado Executivo e uma outra é professora do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental.
Normativas sobre assédio sexual e moral são muito recentes: o Guia Lilás, utilizado pela UnB, foi publicado em março de 2023.
“As normativas que vão dar conta de assédio moral e sexual nas universidade são muito recentes. Na última década, começaram a surgir a partir de movimentos provocados por coletivos estudantis. A UnB foi uma universidade em que estudantes fizeram muita pressão para criação de normativas e órgãos centralizados para lidar com o problema”, afirma Fabiene.
Insegurança de investigar e acusar colega: mesmo com a comissão sendo formada, preferencialmente, por professores que não trabalham junto com o investigado, há um receio entre os servidores.
“Quanto mais centralizado, mais distante, melhor. Quanto mais qualificada a pessoa que estiver acumulando o conhecimento, estiver estudando e está ali julgando, muito melhor”, afirma a professora Fabiene Gama.
Grande quantidade denúncias e poucos servidores para apurar. Segundo a Comissão de Ética da UnB, houve um aumento do número de denúncias recebidas. A comissão de ética tem um total de seis membros, a Coordenação de Processo Administrativo Disciplinar tem sete integrantes e a Ouvidoria da UnB tem uma ouvidora e quatro assessores – mas são seis servidores lotados.
A professora Fabiene Gama destaca que, além das funções nos órgãos, alguns docentes também acumulam as funções pedagógicas, de ensino e pesquisa. Para ela, essa série de problemas se mantém há anos nas universidades, mas a pesquisadora acredita que. nos últimos anos, houve uma melhora com influência também das redes sociais e dos movimentos contra assédio e violência de gênero.
“A gente ainda tem um longo caminho de reestruturação das universidades. […] O sistema é feito para não funcionar, não tem uma infraestrutura montada para pensar tanto a prevenção quanto erradicação desse tipo de problema”, afirma.
Como uma denúncia de assédio moral ou sexual pode ser feita na UnB?
De acordo com a UnB, há três opções para a realização da denúncia:
Plataforma Fala.BR: Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação. Para acesso clique neste link.
Ouvidoria da UnB: tem atendimento presencial e o online pode ser acessado por meio deste link.
Comissão de Ética: atendimento presencial na Secretaria da Comissão de Ética (localização: sala A1 49/11- Bloco de Salas Eudoro de Sousa-BAES-1º pavimento – Campus Darcy Ribeiro) e online pelo e-mail: eticaunb@unb.br
Para buscar atendimento e acolhimento dentro da UnB, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) pode ser procurada pela vítima de assédio por meio deste link.
A professora Fabiene Gama ressalta que a decisão de denunciar ou não e por meio de qual canal é da vítima. No entanto, além da esfera administrativa, a pessoa que comete o assédio pode responder também na esfera criminal. Ou seja, a vítima pode optar também por sair dos muros da universidade e fazer boletim de ocorrência e abrir um processo judicial.
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A professora Fabiene Gama aponta que a universidade é mais um dos órgãos que está inserido em um sistema machista e sexista e que a baixa investigação de denúncias de assédio moral e sexual não é um problema da universidade federal, mas da sociedade. Ou seja, segundo a professora, a sociedade é machista e a academia é um ambiente que reproduz isso diariamente.
“A baixa investigação não é uma coisa restrita a universidade, não é restrito ao Brasil, para todo lado, universidade particular, pública, na Europa tem uma baixa investigação. Há o desafio de ampliar o entendimento de que a universidade é um lugar de mulheres, que nosso corpo não está a serviço dos homens”, diz Fabiene Gama.
A professora afirma que três universidades brasileiras construíram normativas e órgãos de referência para o tratamento das denúncias de assédio:
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
“A UFG como referência por ter sido a primeira a criar uma resolução. UFOP também tem resoluções e uma ouvidora aguerrida. A Unicamp é uma referência sobre os tratamentos por ter criado uma diretoria”, diz a professora Fabiene Gama.
O g1 entrou em contato com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) para dados nacionais sobre as universidades, mas o órgão afirmou que não há números sobre o tema.
Qual seria o caminho?
A presidente da Comissão da Mulher da seção do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), Nildete Santana de Oliveira, destaca que cada universidade tem um protocolo específico para a apuração das denúncias, mas é preciso garantir o anonimato e proteger a vítima para que não seja exposta a mais violências.
“Deve ter uma canal próprio de denúncia, que garanta o anonimato, caso a vítima não queira se identificar. Depois é receber e instaurar processo interno para apuração”, diz a advogada.
O Guia Lilás dá algumas orientações de como órgãos da administração pública podem coibir o assédio:
Oferecer capacitação continuada a servidores e gestores sobre violências de gênero, racismo e outras formas de discriminação
Realizar campanhas sistemáticas de sensibilização sobre estereótipos, microagressões, atitudes machistas cotidianas, comportamentos racistas e LGBTfóbicos, linguagem ofensiva, entre outros
Treinar as equipes de gestão de pessoas sobre acolhimento humanizado e sigiloso de pessoas vítimas de assédio e discriminação
Treinar as equipes de ouvidoria sobre o protocolo de recebimento de denúncias e os respectivos encaminhamentos
Buscar meios de prover atendimento e acolhimento
Apurar de forma célere as denúncias de assédio
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