Nas redes sociais, internautas brincaram com a passagem turbulenta da cantora no Rio de Janeiro, mas problema é muito maior. Veja como as provas podem cobrar o tema. Taylor Swift incrédula com o Estádio Nilson Santos lotado em 1º show no Rio
Stephanie Rodrigues/g1
Nas últimas semanas, uma “criança” virou assunto do país inteiro: o El Niño, fenômeno que provocou uma onda de calor intenso no Brasil. Nas redes sociais, até a Taylor Swift virou “mãe” do tal menino (el niño, em espanhol, é “o menino”) — um meme para referenciar a cobertura da mídia sobre o primeiro show da cantora no Brasil, em um dia que a temperatura bateu recorde no Rio de Janeiro e provocou diversos transtornos. Mas afinal, o que é o El Niño? 🤔
Todo mundo que está estudando para o vestibular deve ter visto o fenômeno nas aulas de geografia. Resumidamente, se trata do aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico. O tema já apareceu em algumas questões das primeiras fases das provas e pode dar às caras novamente, seja na segunda fase da Unicamp ou de outros exames, talvez até mesmo sob uma abordagem interdisciplinar.
“Temáticas relacionando economia e ecologia são recorrentes nos vestibulares, fazendo recortes interdisciplinares de geografia, biologia, química e história, testando a capacidade de análise crítica e contextual do estudante, que precisa compreender relações de causa e efeito nas decisões econômicas e políticas de governos e empresas diante do cenário de catástrofe ambiental que afeta bilhões de pessoas, de maneira assimétrica, no mundo todo”, diz o professor de geografia Luís Felipe Valle, do Curso e Colégio Oficina do Estudante.
Apesar da passagem turbulenta da cantora norte-americana pelo Rio de Janeiro, os swifities — nome dado aos fãs da “loirinha” — e, esperamos, o resto do mundo, sabem que não foi ela quem trouxe o El Niño para cá. Mas existe uma relação sutil entre os dois que pode ser explorada. Nesta matéria, você vai ver:
O que é e quais as consequências do El Niño?
Qual a causa do El Niño?
Quais as consequências do El Niño na sociedade?
Afinal, a Taylor Swift tem alguma coisa a ver com o El Niño?
GIF – ANTES e DEPOIS – Comparação mostra El Niño em 1997 e em 2023
NOAA/Climate.gov/Coral Reef Watch
O que é e quais as consequências do El Niño?
Como já dito anteriormente de forma resumida, o El Niño é o fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais da região equatorial do Oceano Pacífico. Esse aquecimento, por sua vez, desencadeia uma série de alterações meteorológicas em diferentes regiões do planeta. 🌍
No Brasil, o professor exemplifica que as elevações de temperaturas nas regiões Sul e Sudeste — como a recente onda de calor — e as estiagens severas no Nordeste estão relacionadas ao El Niño.
Além disso, os volumes pluviométricos tendem a aumentar no sul do Brasil e no Uruguai. O sul da Austrália, o sudeste asiático e o sudeste da África também tem zonas de elevação de temperatura.
No Nordeste brasileiro, as estiagens cada vez mais severas podem gerar sérios problemas para a agricultura, uma vez que os desequilíbrios climáticos alteram volumes de chuvas e agravam problemas decorrentes do desmatamento, das queimadas e do desvio de rios no Centro-Oeste brasileiro e na Amazônia.
“As temperaturas elevadas também são graves, já que podem inviabilizar o cultivo de espécies vegetais adaptadas a climas mais amenos e levar rebanhos menos resistentes ao calor à morte”, diz o professor Luís Felipe.
Temperaturas podem subir no Ceará a depender da força do El Niño
JL Rosa
Qual a causa do El Niño?
Cientificamente, não se sabe ao certo o que causa essa alteração términa no Pacífico. No entanto, o professor Luís Felipe diz que é possível afirmar que o aquecimento das águas oceânicas está ligado a um enfraquecimento ou até mesmo a uma inversão dos padrões atmosféricos dos ventos alísios.
Esses ventos direcionam as correntes marítimas quentes do oeste para o leste, em direção à América do Sul.
“Há estudos robustos indicando que essa mudança nos alísios está relacionada à intensificação do aquecimento global, que influencia na configuração das zonas de pressão atmosféricas e na circulação de massas de ar pelo planeta”, explica o professor de geografia.
Em 2017, o El Niño provocou chuvas torrenciais no Peru que levaram a inundações e deslizamentos de terra, afetando milhares de pessoas
GETTY IMAGES/via BBC
Quais as consequências do El Niño na sociedade?
Além de todas as mudanças climáticas provocadas pelo El Niño, o professor Luís Felipe aponta algumas consequências sociais que a crise climática provoca e que podem ser abordadas pelos vestibulares.
“Nos centros urbanos, o chamado ‘racismo ambiental’ revela a maneira assimétrica como pessoas em vulnerabilidade econômica, majoritariamente, de pele preta e parda, ficam mais expostas aos eventos climáticos extremos, tendo condições limitadas e precárias para enfrentar”, diz o professor de geografia.
As chuvas torrenciais, que provocam enchentes e alagamentos, também escancaram essa desigualdade ao causar danos mais intensos em ocupações em morros, encontras e em áreas de várzea de rios, onde se encontra grande parte das favelas do Brasil.
“Quem tem condições de driblar o calor com ar-condicionado, freezer, geladeira e piscina se sente bem menos incomodado com o calor do que as pessoas que dependem do transporte público e ficam sem eletricidade ou água quando chove, expostas aos desequilíbrios climáticos e aos problemas de saúde causados pelas temperaturas extremas”, afirma Luís Felipe.
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Taylor Swift em 1º show no Rio de Janeiro
Stephanie Rodrigues/g1
Afinal, a Taylor Swift tem alguma coisa a ver com o El Niño?
Calma, swifties: não, a Taylor não tem ligação direta com o El Niño e o único “Cruel Summer” (Verão Cruel, em português) pelo qual ela pode ser responsabilizada é a canção do álbum Lover. A possível relação tem a ver com classe social a qual a “loirinha”, dona de um patrimônio estimado em US$ 1 bilhão, pertence.
Isso porque a crise climática está diretamente relacionada com o aquecimento global que, por sua vez, é intensificado pela ação humana.
“Da mesma forma que a cantora é uma grande emissora de CO2 por deslocar-se num jatinho particular entre seus shows, o 1% mais rico da população mundial, de acordo com estudos recentes da OXFAM, emite tantos gases de efeito estufa quanto 5 bilhões de pessoas de menor poder aquisitivo”, explica o professor Luís Felipe.
No primeiro show da cantora no Brasil, no Rio de Janeiro, mais de mil pessoas desmaiaram por conta de calor. A cantora chegou a parar a apresentação para distribuir água para os fãs e vídeos nas redes sociais mostraram Taylor bastante ofegante durante o show.
A maior tragédia, no entanto, foi a morte da jovem mato-grossense Ana Clara Benevides durante a apresentação. As causas continuam sendo investigadas, mas todo o contexto, na opinião do professor de geografia, evidenciou a forma perversa como o capitalismo lida com a crise climática.
“Além do preço abusivo cobrado pela água para quem estava debaixo de sol, assistindo ao show com ingressos caríssimos, a lógica predatória da especulação imobiliária é uma das grandes responsáveis pelo agravamento dos desequilíbrios ambientais, destruindo áreas verdes nas grandes cidades, enterrando rios, cobrindo solos com asfalto, barrando as correntes atmosféricas com edifícios enormes, lotando ruas e avenidas com automóveis queimando gasolina e diesel – tudo isso intensifica a formação de ilhas de calor e, por consequência, o aquecimento global”, explica Luís Felipe.
Sombrinhas e guarda-chuvas para aguentar o calorão na fila do show de Taylor Swifit no Rio, nesta sexta-feira (17).
PAULO CARNEIRO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
É claro que a influência humana sobre crise climática vai muito além disso. O professor também comenta sobre o consumismo exagerado e imediatista de roupas (bastante incentivado por diversas celebridades e influencers) que também contribui bastante para a produção de lixo que, por sua vez, contribui para o aquecimento global.
O fenômeno chamado fast fashion, ou moda rápida, em português, se refere a um padrão de produção, consumo e descarte de itens de forma acelerada – uma peça de roupa pode ser descartada após um ou dois usos.
“São desperdiçadas grandes quantidades de água e eletricidade [na produção dos itens] que se convertem em pilhas de lixo cheias de plásticos e materiais que não são biodegradáveis”, explica Luís Felipe.
O professor também aponta que a impressão que a internet e as mídias digitais poderiam agir como um meio de informação para salvar o planeta da crise ambiental é falsa.
“Embora tudo pareça muito ‘imaterial’ nos mundos virtuais, economizando papel, por exemplo, o consumo de eletricidade para manter processadores, servidores, unidades de armazenamento, roteadores, antenas e outros funcionando é colossal”, afirma.
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Fonte: G1 Read More