Projeção foi feita pela própria universidade e exposta para deputados estaduais no início do mês. Segundo diretor-executivo da área da saúde, hospital já está subfinanciado. Hospital de Clínicas da Unicamp, em Campinas (SP)
Reprodução/EPTV1
Uma mudança na forma de remuneração pelos serviços prestados via Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado de São Paulo, batizada de Tabela SUS Paulista, pode causar um déficit financeiro de R$ 55 milhões para o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp em 2024. Entenda todos os detalhes abaixo. 👇
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📈 A projeção foi feita pela direção da área da saúde da universidade em Campinas (SP) no início de abril. O HC, localizado no campus da Unicamp, já vive as primeiras consequências da alteração dos repasses.
“A nossa necessidade é para hoje. Nós estamos subfinanciados neste mês em mais de R$ 7 milhões”, revela Oswaldo Grassiotto, diretor-executivo da área da saúde da universidade.
👀 Nesta matéria, você vai ver:
O que mudou?
Por que a mudança prejudica a Unicamp?
Por que a Unicamp não fecha o pronto-socorro?
O que é alta complexidade?
Por que a Unicamp não é beneficiada pelo SUS Paulista?
Como o HC funciona mesmo subfinanciado?
O que deve ser feito para solucionar o problema?
O que mudou?
🤔 Como era antes? Antes, o financiamento dos hospitais pelo SUS em São Paulo era feito a partir de um teto estabelecido em R$ 186 milhões anuais, aproximadamente R$ 15,4 milhões mensais. Esse valor era fixo: independentemente de quantos procedimentos o HC realizasse, eles recebiam esse pagamento.
👉 Ou seja, quando a Unicamp relata um subfinanciamento de R$ 7 milhões no mês de março, isso quer dizer que o HC está operando com aproximadamente metade dos recursos que ele costumava receber.
🤔 Como é agora? Com o SUS Paulista, o pagamento é baseado nos procedimentos feitos. Simplificando, isso significa que se o hospital realizar mais procedimentos, ele recebe mais dinheiro. No entanto, os valores são estabelecidos com base na complexidade dos procedimentos realizados, e isso é justamente o fator que prejudica o HC da Unicamp.
Mutirão de pacientes da fila de cirurgias do SUS para avaliação pré-operatória no HC da Unicamp
Elaine Ataide
Por que a mudança prejudica a Unicamp?
O HC atende muitos casos de urgência, e a maioria destes casos são de baixa remuneração e geralmente resultam em internações prolongadas. Isso ocupa os leitos do hospital e dificulta a realização de procedimentos mais complexos e mais bem remunerados, que seriam, em teoria, a principal função do HC Unicamp.
🤔 E por que o HC atende esses casos? A unidade é do tipo “porta aberta”, ou seja, que está sempre disponível para receber pacientes. Independentemente do horário, condição médica, agendamento ou encaminhamento médico, o hospital oferece serviços de emergência e pronto-socorro que operam ininterruptamente.
Esses casos de urgência ocupam 80% dos leitos e geram superlotação, mas não era para ser assim, segundo a diretoria da área de saúde. Tanto porque o HC foi idealizado para atender casos de alta complexidade quanto porque a maioria dos casos poderia ser resolvidos em outras unidades de saúde. 🩺
“Na chegada, a gente vê que três a cada quatro casos que chegam de urgência não precisariam vir para a Unicamp. Poderiam ter sido resolvido em um hospital pequeno, lá na cidade de origem do paciente”, diz Grassiotto. “Mas chegou na urgência, você vai ter que atender, vai ter que dar algum destino”.
HC da Unicamp enfrentou mais um dia de superlotação
Heitor Moreira/EPTV
🤔 O que é alta complexidade?
São procedimentos que exigem um alto nível de especialização técnica, estrutura adequada e, muitas vezes, tecnologia de ponta. Alguns exemplos: cirurgias no coração, cirurgias em bebês e transplantes de órgãos.
O que remediava a situação do HC era justamente o financiamento do SUS pelo teto de R$ 186 milhões anuais. 💊
O contrato anterior permitia que a Unicamp realizasse até 80% dos procedimentos de baixa e média complexidade sem afetar o repasse de verbas.
O que é a Tabela SUS Paulista?
Segundo o governo do Estado de São Paulo, a Tabela SUS Paulista é uma iniciativa inédita cujo objetivo é aumentar o atendimento na rede pública de saúde e reduzir filas de espera. Ela foi implementada em 1º de janeiro de 2024. 📆
⏩ Para isso, além de mudar critérios para o repasse das verbas, a estratégia da Secretaria Estadual de Saúde é complementar o valor encaminhado pelo Ministério da Saúde pelos procedimentos hospitalares.
O governo estadual defende que isso possibilita que as unidades de saúde recebam até cinco vezes a tabela adicional do SUS. Veja exemplos de procedimentos reajustados no gráfico abaixo. 👇
A iniciativa, segundo o governo, visa corrigir uma subvalorização destes procedimentos mais simples, já que os valores da tabela federal do SUS não são reajustados há, pelo menos, dez anos.
O governo também afirma que o sistema de remuneração deve beneficiar 354 hospitais em todo o estado, entre eles Santas Casas, entidades filantrópicas e autárquicas, que representam 50% do atendimento hospitalar na rede pública paulista. 🏥
Hospital de Clínicas (SP) da Unicamp
Reprodução/EPTV
Por que a Unicamp não é beneficiada pelo SUS Paulista?
O complemento de verba estadual sobre o valor do SUS federal beneficia hospitais privados filantrópicos e alguns hospitais públicos específicos, os autárquicos. No caso do HC, mesmo tendo um grande volume de atendimento, ele não se enquadra nesses critérios.
Hospitais filantrópicos são instituições sem fins lucrativos que recebem incentivos do governo para prestarem serviços de saúde à população carente. Já os hospitais autárquicos são unidades públicas com autonomia administrativa, muitas vezes ligadas a órgãos governamentais.
🚫 No entanto, no caso da Unicamp, o HC é parte integrante da universidade e do governo estadual. Por isso, ele não se enquadra nos critérios estabelecidos para receber o benefício adicional do SUS Paulista.
“A Unicamp ter um déficit, do que ela poderia receber, comparado com o que ela está recebendo, de no mínimo R$ 50 milhões, porque nós vamos continuar trabalhando. Nós não vamos fechar leitos, não vamos diminuir o pronto-socorro, simplesmente porque não dá pra fazer. Mas nós estamos sendo punidos duas vezes”, afirma Grassiotto.
Essa dupla punição a que Grassiotto se refere ocorre pelos seguintes motivos:
pelos atendimentos que o HC presta via pronto-socorro, que aumenta a realização de procedimentos de baixa e média complexidade e são menos remunerados,
pelo fato do HC ser um hospital público ligado ao governo estadual, sem uma fundação que administre a unidade de saúde — o que o caracterizaria como hospital autárquico.
Em nota enviada ao g1, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que o HC da Unicamp tem o orçamento vinculado à Secretaria de Ciência e Tecnologia.
Além disso, a SES também informou que as pastas de Saúde, Ciência e Tecnologia e a reitoria da Unicamp vêm estudando maneiras de complementar a receita utilizando a Tabela SUS Paulista, com recurso estadual. (Veja a nota na íntegra no fim da reportagem.)
💰 Caso a Unicamp fosse contemplada pela tabela SUS Paulista, segundo a projeção da própria universidade, ela deveria receber R$ 264 milhões anuais, R$ 78 milhões a mais que o teto de gastos previsto pelo contato anterior.
👉 Isso permitiria que o HC seguisse realizando os procedimentos de baixa e média complexidade e operando o pronto-socorro com um equilíbrio financeiro bom o suficiente para, inclusive, melhorar o atendimento e desfazer filas de espera por cirurgias.
Fila para atendimentos via SUS no HC da Unicamp, em Campinas
Reprodução/EPTV
Como o HC funciona mesmo subfinanciado?
💲 O diretor-executivo da área de saúde da Unicamp explica que para cada R$ 1 que o SUS investe no HC, a universidade investe R$ 3. Pelo menos 20% de todos os recursos repassados para a instituição de ensino é direcionado ao Hospital de Clínicas.
Esse investimento da Unicamp, segundo Grassiotto, é o que paga salários, compra insumos e financia outras atividades essenciais para o funcionamento do HC. No ano passado, segundo o diretor, a universidade investiu R$ 550 milhões apenas em procedimentos de média e alta complexidade. 🩺
“Funcionamos assim, meio apertado do ponto de vista financeiro, mas passamos o ano de 2023 e a Unicamp não mexe no recurso que ela coloca, apenas corrige todos os anos conforme as receitas que vem do governo do Estado”, explica.
No entanto, esses 20% de recursos investidos na área de saúde pela Unicamp — é uma espécie de ‘ponto de honra’ para a universidade nunca deixar o orçamento abaixo deste índice, segundo Grassiotto — é dividido em 12 parcelas mensais, tal qual uma mesada. O problema é que com o subfinanciamento via SUS, essa reserva tem meses contados. 📅
“Nós estamos gastando a parcela de dezembro nesse momento. Com a falta de dinheiro tão grande em janeiro, fevereiro e março, nós tivemos que antecipar as parcelas. A Unicamp está adiantando a mesada e quando chegar agora no mês de maio, junho, nós estaremos sem dinheiro da universidade para tocar o HC. Nós vamos tocar com aquele dinheiro do SUS que está com um déficit de R$ 7 milhões a cada mês”, lamenta o diretor.
O diretor executivo da Área da Saúde da Universidade, Oswaldo Grassiotto durante apresentação dos dados aos deputados estaduais
Antônio Scarpinetti
Por que o HC não fecha o pronto-socorro? Grassiotto diz que o HC da Unicamp é a ‘ponta da linha de urgência-emergência’. Em outras palavras, quem chega até lá é porque não conseguiu atendimento em outros lugares e foi encaminhado para o hospital. E esse é o principal motivo pelo qual não é possível fechar o pronto-socorro do HC. 🏥
🥼 O diretor da área de saúde do HC explica que a região de Campinas não tem capacidade ou não está organizada para fazer atendimentos de média complexidade ou de urgência-emergência, e por isso os tratamentos que poderiam, em tese, serem feitos em hospitais menores ou Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), vão para a Unicamp.
“Isso vem acontecendo desde que se tem um pronto-socorro aberto, e sempre que a gente tenta corrigir e fechar o pronto-socorro, como a rede regional não dá conta de atender porque ela não está organizada, a Unicamp recebe uma pressão muito forte para reabri-lo no dia seguinte. Essa pressão é irresistível, porque vem prefeito, governador, autoridades em geral falar ‘doutor, abre e depois nós vamos dar uma solução pra isso'”, relata Grassiotto.
Mas a solução não vem, e o HC da Unicamp segue superlotado de casos de baixa e média complexidade. No fim, isso gera dois efeitos negativos: a superlotação e o baixo retorno financeiro via SUS.
“Isso desloca muito a nossa capacidade de produzir a alta complexidade, que é reduzida, e aumenta muito a nossa produção na baixa e média complexidade. O resultado disso é que o valor financeiro do que nós fazemos é pequeno”, resume Grassiotto.
O que deve ser feito para solucionar o problema?
Os representantes do HC Unicamp expuseram esse problema aos deputados estaduais durante uma reunião com 12 políticos no campus de Barão Geraldo, em Campinas, no início de abril. A universidade defende que o SUS Paulista seja ampliado para contemplar mais hospitais para garantir um atendimento adequado a todos os pacientes.
“O paciente não quer saber se ele está sendo atendido em um hospital filantrópico ou autárquico, ele quer que a saúde dele seja cuidada como um cidadão brasileiro com direito ao SUS. É pra não ter esse tratamento diferenciado e negativo para o usuário da Unicamp que a gente vem se movimentando”, afirma Grassiotto.
Além da inserção do HC na Tabela SUS Paulista, outra pauta que a Unicamp levanta há tempos é a reorganização do sistema de saúde regional, sendo necessário, segundo a universidade, a construção de um hospital regional em Campinas dedicado ao atendimento de urgência.
A expectativa é que a construção deste hospital regional permita que o HC se concentre em procedimentos de alta complexidade. “A Unicamp dá o terreno e opera o hospital. Ela só não financia o hospital porque ela já está financiando o nosso”, diz Grassiotto.
Além disso, enquanto a construção do hospital regional não acontece, a Unicamp sugere que seja criada uma infraestrutura mínima de atendimento de urgência, como a abertura UPAs ou a utilização de pequenos hospitais regionais com leitos disponíveis para desafogar o HC.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que está comprometida com a busca de uma solução que não traga impactos para o atendimento da população. Veja, abaixo, o texto na íntegra. ⏬
A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informa que a Tabela SUS Paulista, implantada em janeiro de 2024, foi criada para aumentar os repasses aos hospitais filantrópicos, em razão da defasagem na tabela federal do Ministério da Saúde.
O HC de Campinas, diferente dos outros hospitais universitários , é ligado à Unicamp cujo orçamento é vinculado à Secretaria de Ciência e Tecnologia. As pastas de Saúde, Ciência e Tecnologia e a reitoria da Unicamp vêm estudando maneiras de complementar a receita utilizando a Tabela SUS Paulista, com recurso estadual.
A SES está comprometida com a busca de uma solução que não traga impactos para o atendimento da população.
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Fonte: G1 Read More