Levantamento exclusivo do g1 analisou número de inscritos em vestibulares para os cursos de Matemática e Letras de 2017 a 2023. Cai procura por cursos de licenciatura no PR
O interesse em cursos de licenciatura caiu 74% nos últimos seis anos nas universidades públicas do Paraná. O dado considera a quantidade de candidatos inscrita nos vestibulares e no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) nos cursos de Matemática e Letras, de 2017 a 2023.
A formação é obrigatória para quem quer dar aulas na Educação Básica.
Em 2017, o número total de inscritos para os dois cursos nos processos seletivos analisados foi 13.574. Seis anos depois, em 2023, a quantidade despencou para 3.540.
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Docente com mais de 30 anos de atuação ouvida pelo g1 cita entre os motivos que têm afastado os jovens da carreira de professor estão os baixos salário e as condições de trabalho. Entenda mais abaixo.
“A remuneração não atrai. Os jovens não enxergam como uma perspectiva de futuro”, afirma Sandra Garcia que atua no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
O que os números mostram
Levantamento exclusivo do g1 analisou dados das 11 universidades públicas do Paraná – federais e estaduais localizadas em todas as regiões do estado. São elas:
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)
Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro)
Universidade Estadual do Paraná (Unespar)
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila)
Instituto Federal do Paraná (IFPR)
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
Evolução da procura por cursos de licenciatura no PR
Matheus Cavalheiro/Arte RPC
Se considerado apenas o curso de licenciatura em Matemática, a queda foi ainda maior, de 76%, passando de 5.980 candidatos em 2017 para 1.436 no ano passado. Veja a variação por universidade:
No caso do curso de Letras, foram consideradas todas as habilitações que incluíam Português, como Português/Italiano ou Português/Alemão.
A queda na área nos seis anos analisados foi de 72%, com o número de interessados caindo de 7.594 para 2.104. Veja a variação por universidade:
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‘Entrei com 50 pessoas e hoje deve ter uns 15’
Prestes a concluir Matemática na Universidade Estadual de Maringá (UEM), o estudante Vinícius Pinto da Fonseca conta que começou o curso com uma turma de cerca de 50 alunos.
Logo no primeiro ano, ele viu a sala de aula ficar cada vez mais vazia. Veja o relato abaixo.
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“Dos 50 que entraram, hoje têm uns 15, no máximo. E nem todos vão se formar agora. Acho que muita gente desistiu pela falsa ilusão do que vai estudar em Matemática. Quando chega no curso, você encontra matérias que não encontra no ensino básico. O baque é muito grande. Quem não está preparado ou não almejava isso para o futuro, desiste ali mesmo.”
Essa foi a realidade também enfrentada por Natália Beraldo, que está na segunda licenciatura. Ela se formou em Ciências Sociais e está no primeiro ano de Letras/Português na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Licenciatura é obrigatória para quem quer dar aulas na Educação Básica
Lucar Fermin/Seed-PR
Inspirada pela mãe professora e por professores durante o Ensino Médio, Natália começou a faculdade em 2018 com aproximadamente outros 50 alunos.
Entre o início e fim do curso, a turma foi reduzida pela metade.
“Cerca de 20 pessoas se formaram comigo. Como a Sociologia não é mais uma matéria obrigatória, o desinteresse aumentou muito. Além disso, acredito que a procura vem diminuindo pela desvalorização salarial do professor. Quando há oportunidade, como um concurso público, o recém-formado disputa a vaga com quem tem especialização, mestrado, doutorado. É muito difícil”, lamenta.
Risco de ‘apagão’ de professores
Professora há 34 anos do Departamento de Educação e atual coordenadora do vestibular da UEL, Sandra Garcia elenca alguns motivos que podem explicar o afastamento do jovem da carreira de professor.
“Primeiro, a carreira não é atrativa. Os países que fizeram essa mudança viram o número de interessados crescer. A imagem do professor tem sido muito desgastada, principalmente nos últimos anos. A remuneração não atrai. Os jovens não enxergam como uma perspectiva de futuro. As condições de trabalho, ainda mais no setor público, não são boas. E, além disso, tem a formação, que hoje está focada na educação à distância.”
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Com o desinteresse cada vez mais elevado, Sandra teme que a falta de professores no mercado de trabalho vire realidade.
“A gente pode correr o risco de um ‘apagão’ de professores. Isso vem se construindo há algum tempo, principalmente em algumas disciplinas. Hoje criam plataformas e conteúdos que não são base da formação do professor, quando, na verdade, isso representa uma desvalorização do profissional”, avalia.
Buscando alternativas
Para a analista de políticas educacionais do Todos pela Educação – organização sem fins lucrativos dedicada à garantir a qualidade da educação básica –, Natália Fregonesi, a queda de inscrições em vestibulares para cursos de licenciatura nas universidades públicas no Paraná reflete uma realidade nacional.
No entanto, ela acredita que a baixa procura não significa, necessariamente, que menos professores estão se formando.
“Por outro lado, as matrículas em licenciatura têm aumentado em instituições na modalidade a distância (EAD). Geralmente são cursos mais flexíveis e com preços mais atrativos. Essa é a principal estratégia de formação de professores, o que é um absurdo. Esses cursos exigem a presencialidade por conta da prática que eles precisam ter”, alerta.
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Na opinião da especialista, o governo federal deve frear a expansão da modalidade a distância registrada nos últimos anos, ao mesmo tempo em que capacite o professor que está se formando nessas condições.
Apesar do cenário desafiador, quem decidiu pela carreira de professor conta como foi inspirado a seguir este caminho.
“Eu acho que a profissão de professor é muito nobre. Minha mãe é professora e sempre gostei da minha relação com meus professores. Sempre admirei todos. Isso me incentivou a escolher a licenciatura”, conclui Vinícius Fonseca.
*Esta reportagem contou com a colaboração de Maria Pohler, estagiária do g1.
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Fonte: G1 Read More